Franz Schubert

Numa taberna vienense, um grupo animado de jovens conversa, brinca, bebe cerveja. De repente, um deles pega o cardápio e escreve algo na parte de trás. No final da noite, todos vão saindo quando um outro jovem lembra-se do cardápio. Pega-o e no verso vê algumas notas musicais traçadas com rapidez. Se este jovem não tivesse lembrado do cardápio, hoje o mundo talvez não conhecesse a famosa Serenata . O distraído autor da música é Franz Schubert, cujo bicentenário de nascimento foi comemorado em 1997.

Franz Seraph Peter Schubert é conhecido mundialmente pela sua famosa e misteriosa Sinfonia Inacabada. Escrita em 1822, esta sinfonia é "inacabada" por ter apenas duas partes. Naquela época o usual era que as sinfonias tivessem quatro partes ou movimentos.

Por que a Inacabada tem apenas dois? Impossível saber. A morte de Schubert, aos 31 anos não foi a causa, pois depois da Inacabada ele ainda escreveu mais uma sinfonia, num total de nove. Ele também não quis deliberadamente quebrar as regras vigentes. Prova é que chegou a escrever os oito primeiros compassos de um terceiro movimento.

Schubert, durante toda a sua vida, jamais desfrutou de fama. Mesmo nos dias atuais ele não é tão conhecido popularmente como Beethoven. Não obstante, sua contribuição à música é quase tão importante quanto a de Mozart e Beethoven. Aliás, pode-se considerar a música de Schubert como uma perfeita transição, uma ponte, entre os dois compositores. Era herdeiro do classicismo de Mozart, mas tinha já o espírio de renovação que levaria ao Romantismo.

Dezoito anos e 203 músicas

Nascido num subúrbio de Viena, em 31 de janeiro de 1797, Schubert foi menino-cantor no Coro da Capela Imperial, onde ficou por 6 anos. Depois, trabalhou como professor na escola de seu pai. Mas não por muito tempo: como entender um professor que, de repente, pega o caderno de um aluno, escreve uma música e devolve?

Depois de brigar com o pai, vai morar na casa de amigos, levando uma vida de boêmia. Nunca se casou. Sua única aventura amorosa lhe transmitiu sífilis. Escrevia música pela manhã, passeava pela tarde e a noite ia para a casa de algum amigo apresentar suas novas obras.

Sua vida, transcorrida toda em Viena, não tem lances espetaculares, amores fulminantes ou triunfos memoráveis. Foi simples, despretensiosa, preocupado apenas em fazer música. Viva nas casas dos amigos, tocando esporadicamente em algum lugar, compondo uma ou outra peça por encomenda.

E novas obras musicais é o que não faltam: aos 18 anos, já tinha escrito 203 músicas. Escrevia de tudo: sinfonias, sonatas, peças para piano, lieder. O que é lieder? Lied (singular de Lieder) é uma expressão que pode ser grosseiramente traduzida como canção, mas refere-se à um tipo muito particular de canção. Do mesmo modo que é impossível explicar com palavras o que é uma Modinha ou uma Seresta brasileira, por terem características marcadamente regionais, o lied alemão também não pode ser explicado.

Schubert foi sobretudo mestre desse gênero. Escreveu cerca de 600 lieder, sobre textos dos mais diversos autores, desde Shakespeare e Goethe a alguns obscuros poetas austríacos, conhecidos hoje apenas por terem seus versos musicados por Schubert. Em seus lieder, escritos para voz e piano, o piano não aparece apenas como acompanhamento: é parte integrante da ação, narrador e comentarista.

Segundo relatos da época, Schubert escrevia como que em transe, em qualquer lugar, a qualquer hora. Mesmo durante a noite: dormia de óculos para anotar mais rápido as idéias que tivesse.

Apesar de escrever belas canções, nunca se destacou escrevendo óperas. A mais popular foi apresentada 12 vezes. Suas sinfonias, então, não chegaram sequer a ser apresentadas durante sua vida. O próprio manuscrito da Inacabada foi encontrado por acaso, 43 anos depois de sua composição. Schubert pouco se importava com o que escrevia. Freqüentemente esquecia manuscritos em bancos de jardim, casas de amigos, tavernas ou em qualquer lugar que estivesse.

Duas Vidas

Embora não tenha realmente sido amado por nenhuma mulher e ter vivido numa pobreza constante, o temperamento de Schubert era sempre lembrado por seus amigos como muito alegre. Melancolia? Só na música.

Muitos autores se referem as "duas vidas" de Schubert. E não deixa de ser assim: a vida real, pobre e tristonha, e a vida artística, onde Schubert se realizava. Não por acaso, a grande paixão de sua vida foi uma das primeiras intérpretes de suas obras, a soprano Thérese Grob.

A parcial obscuridade em que se encontra a música de Schubert deve-se ao fato de que ele não foi nenhum revolucionário. Pelo contrário, soube perfeitamente aprender a linguagem musical de seu tempo.

E as limitações ao artista no século XIX eram muitas. Para se escrever uma música, por exemplo, havia uma série de regras de composição que deviam ser respeitadas. Beethoven ignorou essas regras, Schubert aceitou-as. E ambos são geniais.

Repertório Básico

Para quem não está familiarizado, uma boa abordagem inicial da música de Schubert é a Sinfonia nº 8 em si menor, a Inacabada. Essa música resume muitos aspectos do compositor: melancólica, enérgica e muito melodiosa. Na primeira audição já é possível assobiar suas melodias. A orquestração não traz efeitos espetaculares, mas o espetacular nunca foi o forte de Schubert.

É no gênero mais intimista que estão as suas maiores realizações: os lieder, onde Schubert foi um mestre. Para começar, o melhor são os "Ciclos de Lieder", conjunto de canções para voz e piano que contam uma história. A Bela Moleira é uma obra-prima. A Viagem de Inverno, outro ciclo de canções, é mais melancólico, mas igualmente belo. De ambas as obras existem muitas gravações disponíveis no mercado.

Quem quiser se aprofundar um pouco mais, pode tentar a música de câmara. O Quinteto em lá maior op.114, "A Truta", mostra como Schubert soube ser original sem ser revolucionário. O nome deve-se ao fato de o 3º movimento ter sido feito sobre um lied chamado "A Truta".

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